segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Ah! Eu sou gaúcho! E muito mais!

Já vai embora o setembro! Deixa um saldo de chuvas e dias frios, além do renovado sentimento de orgulho por viver e ter nascido nesta "pátria gaúcha".

Pelas ruas, mais que em todos os outros meses, entoou-se com vigor o hino riograndense. Gente pilchada, cavalos garbosos, o mate correndo solto. Coisa bonita de se ver! Churrasco e carreteiro, então, foram os pratos cotidianos, mesmo para os gaúchos mais urbanos como eu, que não levam a mesma vida da gente valorosa do campo.

Meu colorado é de aço e não de músculos. Raramente uso bombacha e, se uso, é a castelhana (heresia para alguns). Bota, não tenho o costume, mas simpatizo com as alpargatas. Talvez por ser professor de espanhol me identifique com o gaucho e misture um pouco o que há do lado de cá e de lá das fronteiras, sem dar importância para as antigas rivalidades e peleias, que alguns teimam em sustentar. Num mundo dito globalizado, parece-me bobagem alimentar o preconceito para com o outro. Se sou gaúcho, minha história é portuguesa, sim, mas também é espanhola, alemã, italiana, indígena, africana... 

Talvez entenda bem isso porque em minhas veias corre sangue de praticamente toda etnia que habita ou habitou estes pagos. Eu nasci do encontro de todas as águas e me sinto privilegiado por isso, pois, de alguma maneira, minha genealogia é a genealogia do Rio Grande. É por isso que me sinto motivado a gritar em uníssono com o resto da torcida: "Ah! Eu sou gaúcho!"

Sim, eu sou gaúcho com muito orgulho, mas também sou brasileiro, sou latino, sou professor, sou colorado, sou homem, sou heterossexual, sou estudante, sou pesquisador, sou escritor, sou artista marcial, sou amigo, sou filho, sou irmão, sou tio, sou amante. Espero um dia ainda ser pai, desenhista, cantor, instrumentista... São tantos os elementos que me definem, minha identidade é tão vasta, tenho tantas coisas parecidas com tanta gente, que quando escuto ou leio alguém defendendo uma atitude marcadamente preconceituosa, confesso que não consigo entender.

Faz pouco tempo, totalmente por acaso, encontrei um post do blog Somos todos torcedores. O título era
Ah, eu sou gaúcho! (Racismo e preconceito) e inspirou esta minha reflexão (inclusive no título). Lá, em 2009, o blogueiro, um gaúcho gremista - sim, sou um colorado plenamente capaz de ler e admirar o que escreve um gremista, apesar de não perder uma boa piada quando a oportunidade surge -, escrevia sobre sua preocupação com  alguns comentários preconceituosos de profissionais do futebol de outros estados contra os gaúchos e se dizia orgulhoso de ser brasileiro, apelando para o sentimento de união entre a gente brasileira. 

Até aí, perfeito! O problema, a meu ver, vem logo abaixo do texto, nos comentários. Impressiona a abundância de gaúchos defendendo posições separatistas e o igual número de internautas de outros estados expondo abertamente posturas preconceituosas contra os gaúchos. O pior de tudo é que este é apenas um pequeno exemplo, a pontinha do iceberg. Se vamos nos aprofundar no tema, pululam na mídia atitudes desse gênero. Brasileiros do sul e do sudeste criticando nordestinos, cariocas contra paulistas, baianos contra pernambucanos, brasileiros contra argentinos, brancos contra negros, ricos contra pobres, heterossexuais contra homossexuais, cristãos contra umbandistas e cristãos contra cristãos. Vê-se de tudo! 

Eu, aqui na Cidade-Coração do Rio Grande, tomando meu mate e olhando o céu cinzento pela janela, me pergunto: quando aprendemos a ser preconceituosos? Sim, isso é aprendido. Só pode! Coloquemos uma criança loirinha, de olho azul e cabelo lisinho ao lado de uma criança negra de penteado afro e tudo o que elas vão fazer vai ser brincar. Outro dia vi uma cena assim. Duas crianças que não se conheciam. Os pais ocupados na fila do banco e as crianças ali, divertindo-se, riso franco, alegria nos olhos. Tenho certeza de que em nenhum momento passou por suas cabeças perguntar uma à outra sobre a diferença de cor. Elas só queriam aproveitar a vida!

Vem-me à memória também um vídeo que assisti há alguns meses no Youtube. Um menino estadunidense para ao ver um casal de homens. Olha para eles com a típica curiosidade infantil de quem nunca havia visto algo semelhante. Franca e abertamente, pergunta: "Vocês são casados? Então, vocês são marido e marido? Eu sempre vi marido e mulher! Isso é engraçado!" Divertidos com os comentários do pequeno, o casal simplesmente responde: "Sim, isso é engraçado!" Fascinado, o menino conclui: "Então, isso significa que vocês se amam! Sim, parece que vocês se amam mesmo! Ok... vou jogar ping-pong, vocês podem jogar comigo se quiserem..." 

Esse menino é um exemplo! Espero que ele cresça com essa mesma disposição de aceitar o outro em sua diferença. Não há mal em ser diferente. Todos somos! Não há uma só pessoa igual à outra. Diferentes tamanhos, diferentes cores, diferentes interesses, diferentes sabores. Nem mesmo os gêmeos são absolutamente iguais. Que bom que é assim! Já imaginaram o infinito tédio que seria o mundo se todos fôssemos iguais? Deus me livre de um mundo de iguais! 

Não, não pensem que sou ingênuo. Como defende o filósofo Axel Honneth, o conflito sempre irá existir. Concordo em 100% com isso. Enquanto houver o outro, por mais semelhante que seja, há a possibilidade do conflito. O que me faz realmente humano, entretanto, é a capacidade de aprender com o conflito e transcendê-lo, reconhecer o outro em suas peculiaridades e aceitar que a verdade não me pertence, que o mundo não me pertence e que todos temos parte importante na ordem do universo. Reconhecer o outro significa respeitá-lo, aprender com ele e, por que não, ensinar. Pensemos nisso antes de criticarmos alguém simplesmente por ser diferente.

Esqueçamos por um momento as fronteiras. Fronteiras de todo tipo: geográficas, étnicas, psicológicas, emocionais, ideológicas, históricas e tantas outras. Lembremos que nosso planeta não é mais que um minúsculo grão de poeira girando universo afora e que esse grão é nossa verdadeira pátria - ou mátria. Somos todos cidadãos da Terra. Meu corpo é feito da mesma matéria que o teu, em diferentes configurações. São detalhes o que nos difere e é nesses detalhes que está a riqueza da vida.   

Ah, eu sou gaúcho, sim... mas também sou do mundo! Viva a diferença!