sexta-feira, 11 de abril de 2014

Valesca Popozuda e o fim do mundo

Escândalo! Terror! O Apocalipse bate as nossas portas! Seu principal arauto: Antônio Kubitschek, professor de Filosofia de uma escola de Taguatinga, que, sentado às costas da Grande Besta da Educação Brasileira, espalha sua mensagem infernal aos inocentes jovens, perdidos e alienados: Valesca Popozuda é uma grande pensadora!

O maquiavélico professor teve a petulância de redigir uma prova a respeito da construção de valores morais e citar Valesca Popozuda como "grande pensadora". O que merece um professor desses? Certamente o escárnio e a execração pública... pelo menos é o que a grande mídia "pensa"... ou será que a grande mídia está com inveja justamente porque não pensa?

Não é estranho que a mídia televisiva em geral - salvo raríssimas e honrosas exceções - insista em promover Popozudas, Anittas e companhia, transformando-as em cultura popular, e que no momento em que um professor lança mão dessa cultura para aproximar seu conteúdo do cotidiano dos alunos transforme-se imediatamente em alvo de críticas? O que querem? Uma escola-prisão em que o aluno fique isolado do cotidiano e, portanto, da realidade?

Não, não estou dizendo aqui que Valesca Popozuda tenha que virar bibliografia obrigatória do Ensino Médio nem defendendo o título de "grande pensadora" - ainda que ninguém possa duvidar de que ela pensa. Mas tampouco posso negar que a moça exista. Talvez amanhã ninguém mais se lembre dela, mas hoje... ah, hoje até a "elite intelectual" dos professores universitários cantam "beijinho no ombro" por aí (não me venham dizer que não). E se a dona Popozuda é uma realidade popular, o professor Antônio não está mais que cumprindo uma premissa básica de qualquer educador minimamente consciente: para aproximar o aluno dos cânones, dos grandes pensadores, da grande literatura, o único caminho é criar uma ponte entre a realidade que ele vive e aquilo que a academia ou a escola têm para oferecer.

Por favor, senhores da grande mídia toda-poderosa, deixem a educação para os educadores! Sua crítica sempre precipitada e vazia só atrapalha o nosso trabalho.

Lembram do livro didático que "ensinava a falar errado"? Outro absurdo! Foi monstruosa a campanha de alguns meios de comunicação contra a obra, especialmente de certa emissora que tem poderes divinos no nosso país. Notícias, comentários e programas de debate inteiros para distorcer a simples verdade de que sim, existe no país pessoas que falam "os menino pega os peixe". 

Nunca o livro ou suas autoras quiseram dizer que se devia falar assim. Qualquer linguista, e mesmo profissionais sérios de outras áreas, sabem que os fatos linguísticos simplesmente existem e têm que ser respeitados. É sumamente desejável que uma criança de origem humilde vá à escola e chegue à universidade, aprimorando sua maneira de falar e escrever ao longo do tempo. Mas essa criança precisa ter consciência de que há outras pessoas humildes que, infelizmente, nunca tiveram ou terão essa oportunidade. São pessoas - talvez seus próprios pais - que falam uma outra variedade do português brasileiro, com todas as suas marcas. Mais que isso: não se pode discriminar essas pessoas só porque se expressam de maneira diferente. Era a única lição que o livro queria ensinar... mas como sempre, é mais fácil criticar que tentar entender.

Sinceramente, espero que, apesar da ditadura da mídia televisiva com seus slogans vazios sobre educação, o exemplo do professor Antônio se espalhe. É preciso criar pontes, é preciso aproximar a cultura popular da escola e ajudar as pessoas para que consigam fazer uma transição do popular para o canônico, para o clássico, para o acadêmico. A TV massifica tanto a população com seu lixo diário que estas artimanhas se tornaram necessárias.

Não, o mundo não vai acabar hoje, mas garanto a vocês: não é graças a certa elite midiática. Se o mundo não acaba é porque pessoas como o Antônio ainda nos dão esperanças de que a educação pode sair do seu pedestal e alcançar o povo.

Para terminar, só posso dizer: Antônio, tamo contigo, mano!