sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

12 anos de escravidão... ou um tanto mais...

"Qualquer servo que não obedecer seu amo será punido com a chibata!", afirma o senhor de escravos fingindo que lê a Bíblia. Essa é uma das muitas cenas marcantes do excelente filme dirigido por Steve McQueen, 12 Anos de Escravidão. Essa era a "lei de Deus" para os negros condenados aos campos de algodão dos Estados Unidos da escravidão.

A cena, como muitas do filme, choca não pela imagem em si. Mesmo os tapas, chibatadas, socos, pontapés e afins não são gratuitos. São muito bem pensados, convenientemente colocados para criar um clima de opressão. A cena choca porque desperta na plateia mais atenta a consciência de que este foi o tipo de lavagem cerebral imposta aos africanos que aportaram por estas terras americanas de lá e daqui para que suportassem o horror absurdo da escravidão. A típica mentalidade europeia medieval do deus vingativo, do sofrimento necessário, da culpa que precisa ser expiada, que a Igreja usava para dominar os incultos e incautos.

Negro que sai da linha e fere a lei divina do explorador branco vai para o tronco e enfrenta o chicote ou, quando não tem jeito, vai para a forca, que gastar bala com escravo é desperdício. Isso eles tinham que aprender desde cedo. Negro com quinze anos já era veterano. Quinze anos... como o guri que foi amarrado num poste do bairro do Flamengo, no Rio há duas semanas. Espancado por quinze marmanjos. Ameaçado de morte. Aprisionado pelo pescoço com uma trava de bicicleta.

Ok, o guri já tem suas passagens pela polícia. Não é nenhum anjo. Mas daí a defender que teve o que mereceu como o fez a pseudojornalista Sheherazade em suas excrescências de Mil e uma Noites de Terror na TV é um pouco demais. O pior é que essa é a mesma Sheherezade que defende que o Justin Bieber é um pobre menino rico que só está fazendo suas artes normais de moleque em crescimento. Sua mensagem, em síntese, é clara: marginal negro e pobre tem que apanhar, marginal branco e rico tem que ser olhado com simpatia e paciência. 

Isso me faz lembrar de um senhor que vi outro dia num documentário sobre o sistema prisional brasileiro. Tinha roubado umas havaianas e pegou não sei quantos anos de prisão numa cadeia superlotada. Sofria de tuberculose por conta das condições subumanas a que estava submetido. Ele era negro e pobre, claro. Se fosse branco, rico e tivesse roubado milhões, quando muito estaria em liberdade condicional ou em regime semiaberto, trabalhando em um escritório e ganhando alguns milhares de reais por mês para pagar sua dívida com a sociedade.

E a discriminação não atinge só o preto pobre. Na semana passada, jogando no Peru, Tinga, jogador do Cruzeiro, grande figura humana, muito elogiado até pelos adversários por sua gentileza e educação, foi alvo de torcedores que faziam imitações de macaco toda vez que ele tocava na bola. O mais triste de tudo é que Tinga já está acostumado com isso. Quando jogava pelo Colorado, passou exatamente pela mesma cena num jogo contra o Juventude em 2005. 

É assustador esse tipo de acontecimento em pleno século XXI. Como é possível que tantas pessoas ainda não tenham se dado conta de que a cor da pele não significa absolutamente nada? Não importa se sou branco, negro, indígena, amarelo ou azul, importa saber que sou um ser humano. E como diz o bom e velho Chico César, "alma não tem cor, ela é colorida, ela é multicolor".

O fato é que a mentalidade escravagista continua presente na mente de muitas pessoas. É uma herança infeliz. Negro é macaco, negro tem que apanhar, negro é bandido. São muitos os brancos que se acham melhores e muitos os negros que acabam acreditando que são inferiores, apesar de todo o esforço de conscientização das últimas décadas. Isso tem que acabar, mas o que se vê hoje é que a escravidão continua. Não é uma escravidão de tronco e chibata (exceto por algumas exceções), mas é uma escravidão que está na mente e no coração de muitos. É um vil condicionamento que só vai acabar quando tivermos uma Educação melhor, que pense em formar seres humanos antes de formar profissionais.

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