domingo, 14 de dezembro de 2014

Tempos Modernos

Com uma chave de rosca em cada mão, lá vai ele torcendo parafusos alucinadamente enquanto as peças metálicas passam a sua frente sobre a esteira veloz. O movimento é preciso, mas rápido. Não há tempo a perder. A fábrica não pode parar. A sociedade precisa consumir.

Claro que já deu para perceber que essa é uma cena do filme Tempos Modernos, clássico de Charles Chaplin, que faz uma crítica à sociedade industrializada, mecanizada, desumanizada. É a sociedade do superespecialista. Ele só sabe torcer parafusos e precisa torcê-los rápida e precisamente. Ele não tem nem ideia de como aquelas peças surgiram na sua frente. Ele sequer imagina o que é que vai sair lá ao final da linha de montagem. O superespecialista precisa ser bom no que faz, mas o resto é o resto e não interessa. Se ele sabe torcer bem o parafuso, melhor deixar os mistérios do Universo para os filósofos ou místicos.

Fico decepcionado ao ver como isso ainda é tão forte na Academia. Certa vez, convidado para participar de uma mesa redonda sobre tecnlogias digitais para o ensino de línguas, área em que trabalho há anos, fui apresentado como doutorando em Educação. Uma pesquisadora bem conhecida, ao final do debate, veio conversar comigo e questionou minha escolha. Por que Educação? Ela estava visivelmente contrariada. Para mim, a explicação é simples: trabalho com formação de professores, fiz graduação em Letras-Espanhol e sou Mestre em Linguística Aplicada. A Educação me permite ampliar alguns horizontes e estou muito feliz onde estou. Então, a pergunta é: por que não?

Essa é a maldição da superespecialidade que acomete a Academia. Se eu fiz graduação em Letras, é heresia ser doutor em outra área. E isso se repete na maioria das ciências.

O mais triste é ver como isso afeta alguns alunos de graduação. Trabalho num curso de formação de professores de espanhol que tem disciplinas que envolvem História e cultura da Espanha e dos povos latino-americanos, entre outros aspectos que vão muito além da língua. Fiquei surpreso ao ouvir a crítica de um aluno comentando que não vai ser professor de História e por isso essas disciplinas são totalmente irrelevantes para ele. Que triste!

Imaginem uma pessoa jovem com uma mentalidade dessas! Sempre explico para meus alunos, já no primeiro semestre, que um professor de língua estrangeira tem que dominar aspectos culturais, históricos, geográficos, artísticos... enfim, muita, muita coisa mesmo além da língua. Não é fácil ser um professor de espanhol. Não basta decorar regras gramaticais ou saber fazer análises sintáticas. Bom... até pode ser suficiente para conseguir um emprego qualquer, mas esse - lamento dizer - é apenas o caminho da mediocridade.

O Brasil de hoje precisa de professores que pensem amplo, que vejam longe, que saibam educar para a vida e a vida é muito mais que um punhado de normas de gramática. Acredito em professores que sejam modernos Da Vinci, sempre abertos ao novo, capazes de transcender o limite estreito de uma ciência monolítica. Que São Edgar Morin possa nos socorrer!

7 comentários:

  1. Não importa a profissão, pode ser Letras Espanhol, Inglês, Medicina, hoje em dia, é necessário saber mais do que a Academia passa. Aliás, o mal e nós, jovens, que entramos nas universidades é que muitas vezes não estamos preparados ou não temos consciência de que o que será ensinado ali, é muito, mas muito menos do que aquilo que precisamos aprender, buscando por fora, construindo nosso própeio conhecimento, aproveitando os mestres, doutores ... para debater e formular nossas opinioes, quanto antes soubermos disso, melhores serão os formandos. Tive sorte de ser sua aluna no primeira semestre, e de já ter iniciado dois cursos antes do que iniciarei agora, pois pude perceber e aprender algumas coisas que acredito, irão contribuir muito em minha formação.

    Excelente texto, bom para reflexão.

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    1. Oi, Monica!
      Acho que é bem isso mesmo! O moderno aluno universitário tem que ter muita autonomia e buscar sempre mais, nunca menos. Na minha graduação mesmo, tive muitas disciplinas que, na hora, não entendia o motivo. Mais tarde, tudo se tornou muito claro. Mas para que chegue nesse ponto, é preciso permitir-se essa clareza.

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  2. Exelente reflexão professor! A lástima é constatar que essa sua posição não é comum entre o corpo docente e discente da Instituição. Falo Instituição pois já tive a prova empírica do que falas nesse seu post e foram poucos e exelentes professores que eu tive o prazer de aprender e compartilhar o conhecimento, que pensavam e agiam como verdadeiros gogos inspirados nos mestres gregos. Parabéns professor! Enfim no túnel, fiat luz!!!


    Ps.perdão pelos erros de operação e, provavelmente, de outros tb... kkk. Estoy de vacaciones...jjeje!

    Roberto Nassar

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    1. Pontuação* Esse editor do smart só me derruba!!

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    2. Oi, Roberto!
      Pois é... o que expresso aqui é algo em que acredito realmente como educador e que procuro colocar em prática. Nem sempre é fácil, é verdade. A pressão na academia é bem grande.
      Vejo que ainda há muitos professores bem tradicionais nesse sentido, mas o bacana é que tem algumas pessoas que conseguem pensar "fora da caixa".
      Não sou Pollyana e tampouco acredito em milagres, mas acho que se justamente os estudantes reforçarem as ações desses professores, participando de seus projetos, propondo coisas diferentes, a Academia ainda tem salvação! :-)

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  3. Todos os nossos alunos deveriam ler este texto, Marcus - "Que São Edgar Morin nos socorra!" Amém. Ahhhh! Pelo título, antes de abrir o blog e ler a descrição inicial que me levou direto a cena do filme clássico do Chaplin, lembrei do Lulu - compartilho... Vamos nos permitir fazer além da nossa especialidade, vamos nos permitir ser mais humanos ("Maturanamente", "Freireanamente"), vamos nos permitir um caminho diferente do que temos caminhado, acompanhado... Estou junto pela Educação!

    https://www.youtube.com/watch?v=OdfC3d6f0bg

    Abraços,
    Angelise.

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    1. Oi, Ange!
      Também acho que como formadores e professores em formação precisamos nos permitir muito mais, nunca restringir. O problema é que restringir é mais fácil. Complica menos a nossa vida. É mais cômodo.
      A Complexidade está aí para quem quiser ver e experimentar, mas não é raro quem fuja dela para se fechar no quartinho da disciplina isolada, sem enxergar o mundo lá fora.
      A solução é darmos o exemplo e termos paciência. A Educação está estagnada há muito tempo. As mudanças são muuuuito lentas. Ainda que tenhamos algumas pedreiras e muita incompreensão pela frente, a luta continua, companheira! ;-)

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