terça-feira, 22 de outubro de 2013

Um presidente no fim do mundo

“Amigos todos, soy del sur, vengo del sur.” Assim começa o discurso do Presidente José Mujica do Uruguai, pronunciado em sessão da ONU em setembro de 2013. Assim começou mais um encontro da disciplina INTERCULTURA E EDUCAÇÃO – DESCOLONIZAÇÃO DO SABER, do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM.

Meus colegas de doutorado e eu assistimos ao vídeo pelos 47 minutos em que se desenvolve o pronunciamento do presidente uruguaio, com sua voz pausada de filósofo, como o qualifica a encantadora poeta, também uruguaia, Cristina Peri Rossi. A maioria dos matriculados na disciplina estava no auditório. Na mesa de debates, o "culpado" por tudo, professor Valdo Barcellos, acompanhado do simpático e generoso Prof. Santin e do melhor diarista do Alegrete, Wenceslau Leães Filho – entenda-se diarista, neste contexto, como aquele que escreve diários, não como aquele que faz faxinas. O amigo Wença escreveu o primeiro diário da disciplina, que ficou registrado nos anais da universidade como o mais divertido já escrito na história da escrita de diários de disciplinas de doutorado.

Após os 47 minutos de vídeo, o professor Valdo em sua indefectível calça vermelho-restart, abriu para os debates, deixando com a palavra o professor Santin, que precisava ir embora até as 15h30min, notícia que provocou lágrimas em não poucos. O professor Santin começou esclarecendo o papel de debatedor, diferenciando-o do de comentarista, e logo discutiu vários dos pontos do discurso com um bom humor muito próprio, o que tornou a conversa particularmente agradável. Seu debate iniciou-se já pela primeira frase do discurso, aquela que repliquei no início deste texto. Chamou nossa atenção, o velho professor, ao fato de o discurso começar quebrando o protocolo e chamando os presentes de “amigos” e não de “senhores representantes-delegados-ou-coisa-que-o-valha”. Uma provocação, talvez, mas mais que tudo, marca de um humanista, preocupado mais com a pessoa do que com o cargo ou a posição hierárquica que cada um ocupa. 

Também apresentou-se como um homem do sul. Para o debatedor, isso teve um significado muito especial. Mujica é uruguaio. Todos o sabem. Estava na tribuna como presidente do pequeno país. Sua intenção, entretanto, era marcar que estava falando desde o ponto de vista das nações do lado de baixo do Equador. Nações pobres, em sua maioria, massacradas por leis internacionais criadas pelos ricos e para os ricos. Nesse momento, Mujica se alçava a representante de toda uma massa da população mundial esmagada pelas botas do capitalismo e desassistida pela própria ONU, pois como ele diz em seu discurso, a ele e aos seus semelhantes, pequenos presidentes de pequenos países, não lhes é dado sequer servir o café nas salas em que as grandes decisões são tomadas, um dos aspectos também destacados, no debate, pelo amigo Wenceslau, dos Leães do Alegrete.

Enfim, os debatedores trataram brilhantemente de vários aspectos do brilhante discurso, dentro do tempo que tinham disponível. Foi um encontro memorável, mas o que eu mais quero aqui é pedir aos meus gentis leitores maior atenção ao bom José Mujica. Ele é uma pessoa que vale a pena. Tentem conhecer sua história de tupamaro e seu renascimento como político. Mas mais que tudo, procurem conhecer suas ideias. Aprender com os grandes que não se creem grandes é sempre uma boa aprendizagem.

Antes de concluir, faço eu minha própria reflexão em cima do muito que aprendi nessa aula sobre o José carinhosamente chamado Pepe por “los suyos”. Ele é o tipo de presidente que eu gostaria de ter por estes pagos. Não ficaria triste que ainda outros pagos tivessem gente assim. Não é à toa que a consagrada revista inglesa de tendências Monocle, em artigo de agosto de 2012, chamou Mujica de o melhor presidente do mundo, colocando-o provocativamente acima de Obama e de outras figurinhas fáceis da política internacional. O homem que fica com apenas 10% dos 12.500 dólares que recebe mensalmente é, sem dúvida, um belo exemplo, pois seu trabalho político não é feito só de discursos, sua fala é sustentada por ações – não as da Petrobrás, ações de verdade, atos concretos, de quem, à moda antiga, honra o fio do bigode.

Não estou fazendo uma crítica à presidenta Dilma. Acho que ela fez algumas coisas boas, muito embora ainda pudesse melhorar muito. Trata-se, porém, de um exemplo de humanidade que, parece-me, o mundo está precisando. Nenhum líder mundial pode dizer com tanta propriedade: “"Es posible un mundo con una humanidad mejor. Tal vez hoy la primera tarea sea salvar la vida". Ele o disse e, a cada dia, assina embaixo.

2 comentários:

  1. Acho que uma simples atividade de um curso em massa proporcionou o surgimento de um cronista. Dos bons!

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  2. Hehehe... dos bons não sei... mas isso é emergência! Mais um ponto para a complexidade.

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