sábado, 8 de agosto de 2015

Ela te olha

Dentro de dez dias defendo minha tese. Com a respiração voltando gradualmente ao normal e o pterodáctilo de quase cem quilos que nesses quase três anos e meio decidiu fazer ninho sobre meus ombros ensaiando um alçar voo, achei que podia recomeçar minhas pensagens neste blog. Fiz um rápido ensaio no início do ano, mas as pernas não deram conta. Agora - espero - é para valer!

Ainda transpirando os temas que me acompanharam nesses anos de doutoramento, em especial o tema da afetividade, assisti na TV, quase sem querer, uma breve matéria sobre o Projeto "Consultório na Rua" que funciona no Rio de Janeiro. Era uma entrevista com a médica Valeska Antunes acompanhada de alguns takes tomados na rua.

De fato, boa parte do atendimento do projeto acontece num consultório "de verdade", mas a médica e os demais voluntários percorrem os caminhos da dita cidade maravilhosa para cuidar dos moradores de rua. Eles conversam com as pessoas, fazem avaliações dentro do que é possível ali ao ar livre e, quando suspeitam de alguma coisa, conduzem os pacientes interessados (nunca com coerção, nunca com violência) ao consultório para exames mais detalhados.

Bonito de ver! Mas o que mais me chamou a atenção foi o depoimento de uma jovem mulher, pouco mais que menina, identificada simplesmente como Fran. Ela nasceu na rua e lá cresceu. Mora na rua até hoje, com seus 21 anos de idade. Uma realidade triste, especialmente num país tão rico quanto o nosso. Mas para a sociedade em geral e especialmente para a grande maioria daqueles que foram eleitos para se preocupar com a gente, ela é invisível. A Fran está lá, mas não está. É um fantasma que se arrasta pelos becos mais sórdidos da cidade considerada por muitos como a mais turística e bonita do Brasil (não me julguem, mas não compartilho dessa opinião).

É um fantasma para mim e para ti. Possivelmente, se um de nós estiver visitando o Rio e essa aparição chegar perto, a gente vai apertar o passo. É um fantasma para os nossos políticos, que ao que parece, em sua maioria, estão mais preocupados em manter ou assumir o poder do que com o povo que lá os colocou. Mas a Fran não é um fantasma para a doutora Valeska.

"Ela te cuida. Ela te olha. [...] Ela é diferente. Ela toca, Ela dá esperança pra gente de novo." No final das contas, é isso que importa. As pessoas querem ser vistas e tocadas - com respeito, evidentemente. Isso vale para a vida e isso vale para a educação. Tem muito professor que não vê seu aluno e, é claro, tem muito aluno que não vê seu professor. Um toque no ombro, um aperto de mão ou ainda um abraço, para muitos, nem pensar.

O abraço afetuoso com que Valeska e Fran se despedem é um belo exemplo. Num momento em que a sociedade, fora e dentro da sala de aula, se torna cada vez mais violenta em atos e palavras, talvez possamos enxergar aí uma forma de reconstituir as relações na sala de aula e na vida. Demonstrar afeto não faz mal a ninguém.

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