quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Navegar é preciso...

Como não raro acontece, o rapaz parece totalmente hipnotizado pela tela do computador, que muda com uma rapidez impressionante de um texto para outro, para outro, para outro. O professor, desconfiado, aproxima-se. "Como diabos ele consegue pesquisar desse jeito?" Mas é fato... várias abas abertas, quase todas com conteúdo pertinente, à primeira vista. Parece que a pesquisa está saindo mesmo!

- Marcinho - chama o professor.

O rapaz continua ali, impassível, olhos vidrados: localiza link, abre nova aba, verifica o texto, mantém ou fecha a aba segundo seu interesse, volta para o Google.

- Ô, Marcinho! Acorda pra vida, guri!

Nesse instante, o Marcinho parece sair do transe. Meio aturdido, olha para o professor, pisca e lança a pérola:

- Navegar é preciso, viver não é preciso...

Caramba! Fernando Pessoa numa hora dessas! O professor ri e deixa o Marcinho em paz. Na outra aula, o estudante apresentaria o resultado de sua pesquisa: uma apresentação impressionante em Prezi com dois mashups de vídeo mostrando um pouco da vida e da obra de João Simões Lopes Neto.

O Marcinho é um adolescente normal. Adora o Youtube, está sempre conectado no Facebook e no Instagram, não perde a oportunidade de postar no Twitter e o WhatsApp é um amigo inseparável. Quando está estudando, em geral não perde de vista o celular, mantém o computador ligado e escuta música. Tudo ao mesmo tempo. É um Homo zappiens, um nativo digital.

Tudo isso, porém, não credencia o Marcinho a criar aquela apresentação brilhante. Ele tem um diferencial: todos os dias, faz questão de se desconectar por uma ou duas horas para ler um livro. Lê de tudo, desde autoajuda até Dostoiévski. É um devorador, muito graças à influência de seus pais.

Por gostar de literatura, pesquisar e fazer a apresentação foi fácil para ele. Para outros, a coisa foi beeeem mais complicada. Vindos de famílias que não têm o hábito da leitura e ao aprenderem, na escola, que ir para a biblioteca é castigo quando a gente se comporta mal, esses alunos desenvolveram uma barreira afetiva ao ato de ler.

O resultado disso se vê no último PISA: os estudantes brasileiros de 15 anos ficaram na antepenúltima posição de um ranking de 31 países que avalia a capacidade de ler e navegar na internet. Compreensível: se não tenho o hábito de ler, mudar a plataforma para um meio digital, mais colorido e interativo, não vai mudar muito minha capacidade de compreensão.

Não sou fã de testagens como as do PISA. Toda testagem é o retrato de um único momento, com toda a sua tensão e complicações daí decorrentes.  É algo que jamais consegue medir com exatidão o conhecimento de um estudante. Ainda assim, acende um sinal amarelo que precisa nos levar a alguma reflexão. Não é ignorando o teste que as coisas vão melhorar.

O fato é que pesquisas comprovam que o Homo zappiens tem algumas habilidades inatas para lidar com tecnologias digitais. O peixe nasce na água e nadar é apenas natural para ele. Por outro lado, o HZ precisa de um norte para aproveitar adequadamente essas tecnologias em prol de sua formação e dar esse norte é papel do professor. A tecnologia é só um meio, uma ferramenta. A tecnologia não faz mágica, mas o professor... ah, esse sim é capaz de muita mágica.

Aprendizagem significativa e colaborativa; fuga dos conteúdos fixos e enfadonhos; trabalho com pesquisas e projetos que tenham sentido na vida dos alunos; uso de muita tecnologia digital e uso de todo tipo de tecnologia (o livro é uma delas, uma garrafa pet também); acima de tudo, fazer da escola um espaço em que o aluno se sinta bem, um lugar em que ele goste de estar (o que fará com que o professor compartilhe desse bem-estar). Isso, provam-no experiências em vários países, inclusive no nosso, pode mudar radicalmente o quadro doloroso da Educação.

Para chegarmos aí em nosso querido Brasil, navegar é preciso... temos muito a navegar, mas toda viagem começa com a primeira remada: eu com meus alunos na minha escola.

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